Por Ricardo Montu*
Não há como negar que a pandemia do novo coronavírus, que teve início no Brasil em 2020, mostrou ao mundo inteiro que não estávamos, e sequer nos preocupamos em estar, prontos para eventos dessa natureza, que em nossa noção de realidade não passavam de dramáticas produções hollywoodianas.
Em questão de dias a pandemia colocou de joelhos potências políticas e econômicas em todo o mundo. Já países mais fragilizados viram-se frente a um verdadeiro cenário apocalíptico, onde restou visceralmente exposta a incapacidade de reação, não só por insuficiência de recursos financeiros, mas também de tecnologia e desenvolvimento científico capazes de minimamente suprir as necessidades básicas de seus povos, garantido meios efetivos de íntegra sobrevivência.
Quando não alcançados pela morte, milhares foram lançados à condição de miséria e desemprego em todo o mundo. Para um desfecho ainda mais preocupante, ao longo desse processo, os entraves e interesses políticos desfavoreceram ainda mais o limiar da esperança.
Teorias sobre a origem da pandemia à parte o fato é que a esperada solução da vacina é uma realidade que nos foi proporcionada em tempo recorde e devolveu a todos não só a confiança, mas a expectativa de um breve retorno à normalidade e aos hábitos diários de antes.
Mas o fato é que teremos que conviver por muito tempo com os efeitos da pandemia e talvez alguns hábitos e procedimentos tenham sido inseridos em nossas vidas de forma definitiva.
As relações sociais sofreram transformações inegáveis e não há como deixar de trazer para o ambiente condominial um enfoque sobre estas mudanças
Já no início da crise pandêmica uma drástica mudança de comportamento foi logo imposta: o distanciamento social.
A vida em condomínio implica necessariamente em relações sociais intensas. O convívio na piscina, eventos na churrasqueira, o futebol na quadra, a recreação no parque infantil, os eventos e festas sociais e até mesmo a circulação nas áreas comuns foram cerceados em benefício e no resguardo da saúde de todos.
Mas o distanciamento social desencadeou uma série de eventos que afetaram circunstancialmente as relações em condomínio.
A perda de renda, por conta do desemprego, passou a refletir grande preocupação dos síndicos, tendo em vista o risco de tal fato afetar a saúde financeira dos condomínios, o que exigiu um acompanhamento rigoroso da previsão orçamentária, com a redução de despesas não-essenciais e aumento do volume de negociações e avaliações de casos pontuais no condomínio.
Dessa forma, a ação precisa dos gestores e síndicos frente ao desafio da manutenção das contas condominiais em dia levou o segmento a contar com o menor índice de inadimplência em dezembro/2020, que fechou em 2,17%, o menor patamar em 16 anos segundo a Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo – AABIC.
Sob outra ótica, o distanciamento social como ferramenta a fim de evitar o contágio entre moradores, funcionários e prestadores de serviços exigiu a tomada de decisões enérgicas nas estruturas dos condomínios, que apesar da importância da contenção da circulação de pessoas e do uso das áreas comuns, são sempre tidas como medidas impopulares por muitos.
Nessa mesma linha a fiscalização realizada pelos condomínios, diante da ausência do uso de máscaras e da insistência no descumprimento das regras, muitas vezes leva à necessidade de adoção não só de medidas orientativas e preventivas mas também da aplicação de multas pecuniárias baseadas na convenção condominial e no regulamento interno.
O isolamento social, imposto pela pandemia, também provocou considerável aumento do número de pessoas que permanecem em casa, bem como do número de trabalhadores que adotaram de maneira definitiva o regime home-office, desencadeando um crescimento considerável de reclamações e conflitos.
Problemas com barulhos, a qualquer hora do dia ou da noite, de obras, festas no interior das residências, crianças, animais domésticos, músicas altas, esteiras de academia montadas na sala, instrumentos musicais, conversas e gargalhadas em tons altos entre amigos e até mesmo acaloradas discussões e desentendimento entre casais, que passaram a dividir o espaço por mais tempo durante o todo o dia, entre outros problemas, passaram a gerar não só o aumento do número de reclamações dirigidas aos síndicos como também, muitas vezes, se desdobram em confrontos diretos entre os condôminos, culminando não raro em agressões tanto verbais quanto físicas, estressando e colocando em risco não só as partes, mas toda a comunidade condominial.
Dessa forma, o aumento de conflitos entre moradores de condomínios vem exigindo dos síndicos e zeladores uma atenção maior ao âmbito da convivência e uma postura ainda mais conciliadora, a fim de reduzir a incidência bem como proporcionar meios de soluções dessas desavenças.
De tudo o que se viu até agora é que, com muito esforço, temos dado passos firmes e consistentes em todas as direções, no que diz respeito à prática de gestão e convivência condominial e que os fatores negativos têm sido superados de maneira muito efetiva, apesar de todas as dificuldades até então apresentadas.
As assembleias virtuais foram implantadas de forma a socorrer a necessidade da substituição do encontro presencial para a definição de temas importantes, e que não podiam esperar. Apesar dos percalços iniciais esta ferramenta tem mostrado contornos de implantação definitiva no segmento.
A criação de outros mecanismos tecnológicos trouxe a todos maior familiaridade no seu manuseio e inseriu a prática de atos por meio digitais como pagamentos, recebimentos, assinaturas, prestações de contas, tomadas de preços entre outras funcionalidades.
Também no âmbito condominial o ciclo da pandemia do novo coronavírus certamente deixará tristes marcas, mas cabe a todos os que integram este segmento, sejam incorporadoras, construtoras, investidores, condôminos, moradores, prestadores e gestores, continuar a transformar as ameaças em oportunidades e as fraquezas em forças, para que, de maneira estratégica, possamos sair desse contexto ainda mais fortalecidos. Afinal, fortes nós já mostramos que somos!
*Ricardo Montu | Síndico Profissional e advogado. Titular da Leader Work Síndico Profissional. Possui graduação em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo (2001). Pós-graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2009). Foi professor de graduação e pós-graduação do Centro Universitário Radial, Universidade Estácio de Sá, Universidade São Camilo e SENAC. Possui experiências profissionais nas áreas de Direito, Administração de Empresas e Contabilidade. Certificado Síndico 5 Estrelas.
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